O sistema democrático representativo atual escamoteia um diferencial de classe na participação política. Esse ponto seria um dos entraves para a articulação das vontades e exigências dos estratos inferiores. Em A Democracia Liberal (1977), Macpherson nos alerta que nem mesmo o avanço da tecnologia pode ser automaticamente considerado como ferramenta à disposição da democracia.

Segundo ele, a ideia de que os recentes avanços possibilitarão conseguir uma democracia direta apropriada para as comunidades muito populosas é atraente não apenas para os teóricos da tecnologia como também para os teóricos da sociedade e filósofos políticos. Mas essa ideia não presta atenção a uma exigência irrecusável de qualquer processo decisório: alguém deve formular as questões.

Ademais, os atuais registros de baixa participação e iniquidade social estão de tal forma interligados que, efetivamente, um sistema com mais envolvimento da população não seria o suficiente para mudar esse quadro. A postura a ser encarada pelos movimentos sociais, diante dessa fatídica conjuntura, é a exigência de um sistema de mais participação política.

Neste ínterim, um dos requisitos para o surgimento de uma democracia de participação é a mudança da consciência do povo (ou da sua inconsciência) ao ver-se e agir como executor e desfrutador da execução e desenvolvimento de sua capacidade, ao invés de enxergar-se essencialmente como um consumidor numa relação empresarial disfarçada em Estado democrático.   

A democracia participativa depende ainda de uma potencial dose de democracia direta.  Por este motivo, os partidos políticos devem ser vistos como agremiações extremamente necessárias a concretização de um novo modelo de participação social. Ao invés de serem repelidos, eles devem ser instados a contribuir com a construção de uma saída para o envolvimento popular nas mais diversas agendas sociais.

Macpherson (1977, p.103) destaca ainda que esse movimento de transformação requer um senso ainda mais forte de comunidade. Esse sentimento de pertencimento geraria um comprometimento com a coisa pública capaz de se sobrepor aos determinantes ditames empresariais que, por enquanto, pautam as gestões numa tentativa constante de diminuir o Estado e reservar o mínimo dele para a maioria.

A relação de bom uso das faculdades do poder é algo ainda não completamente assimilada pelos coletivos. Uma das estratégias de dominação é justamente fazer as massas pensarem que são desorganizadas e, portanto, não tem condições de assumirem mandatos. Fragilizando os movimentos, os integrantes do núcleo político podem perpetuarem-se indefinidamente por meio de gerações.

Revelar iniciativas de centralização administrativa seguidas de cerceamento da participação social é uma das formas de perceber como o poder está estruturado. Na melhor das hipóteses, é desnudar o poder central fazendo quem está ao seu redor perceber as teias que envolvem a arregimentação que garante o status quo e o privilegiamento de uma classe em detrimento de outra.

Geovanne Santos é jornalista e mestrando em Desenvolvimento Regional

 

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